segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

PALAVRAS...


                Minha palavra favorita sempre foi hortifrutigranjeiro. Não pelo sabor. É pelo nome mesmo, o jeitão esquisito  dela, cheia de meias outras palavras. É claro, também tem outras muito engraçadas: soslaio, esdrúxulo, vasilhame, Tegucigalpa. E piauiense, a favorita da vovó. Ela disse que piauiense é palavra milagrosa, porque tem cinco vogais juntas. Se é milagre eu não sei. Mas que é esdrúxula, é.
                Desde pequeno eu parecia com a vovó. Primeiro só fisicamente, depois tudomente. Ainda mais nesse negócio de cismar com umas palavras assim sem mais nem por quê.
                Mamãe não larga do meu pé de vento. Fala que eu sou doido, que eu tenho cada mania, que sei o quê. Um saco! Ela nunca parou pra pensar no tanto de palavra legal que tem por aí. Pera aí, que eu pensei uma coisa. Palavra legal que eu sei muitas, mas será que tem palavra ilegal? Alguma assim, proibida por lei? A partir de hoje fica proibida a palavra boletim. Não, a palavra brócolis. Não, a palavra derrame.
                Semana passada eu fui para Montes Claros ver a vovó. Tava ruinzinha a coitada. Derrame. Pessoal aqui de casa falou que não era pra eu ir não, que ia incomodar, ia encher a casa, dar trabalho, nhenhenhém. Falei que ia e pronto, pô. Eu aqui, cheio de saudade e distância.
CUNHA, Leo. Pela estrada afora. São Paulo: Atual, 1993.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O FILHO QUE EU QUERO TER

































PAIXÃO À PRIMEIRA VISTA

PAIXÃO À PRIMEIRA VISTA
 
CIDADES LIMPAS E CUIDADAS, CASINHAS HUMILDES
MAS TININDO DE ARRUMADAS: SORRIA, VOCÊ ESTÁ NO ACRE
 
Hoje de tarde fui à Bolívia, que fica logo ali. Encontrei Lima Duarte e Cássio Gabus Mendes bebendo umas Paceñas no boteco da esquina, enquanto, na praça em frente, centenas de maritacas fofocavam antes de se recolherem às palmeiras onde dormem. Conversamos e rimos muito; na volta, parei na beira do rio para me despedir de três jovens capivaras que
avistei ontem. Não, não estou de pileque. Estou na cidade de Brasiléia, a poucos quilômetros de Xapuri. Vim de enxerida, ver as gravações da segunda fase de Amazônia, a fantástica minissérie de Glória Perez – e estou totalmente apaixonada pelo Acre.
 
A exuberância da natureza na região Norte nunca deixa de me surpreender, mas no Acre há bem mais do que isso – há um amor pela terra que se manifesta nas centenas de bandeiras do estado que tremulam em mastros oficiais, que se mostram nas lojas e nas casas, e que percorrem as ruas como adesivos de automóveis, motos e bicicletas. Isso quando não vão coladas ao próprio peito dos acreanos, como estampas de camisetas.

Em nenhum outro lugar do mundo, nem mesmo na Nova Iorque dos tempos da campanha "I love New York", vi tanta gente usando camisetas com símbolos locais.

Faz um bem danado à alma da gente ver isso.
 
Depois há, por toda parte, paredes pintadas nas cores mais alegres. No começo achei que isso fosse coisa da capital, privilegiada por administrações de matar qualquer carioca de inveja; mas não. Percorrendo os mais de 200 quilômetros que levam de Rio Branco à fronteira com a Bolívia, onde quer que se pare há uma janela vermelha, uma porta azul, uma fachada verde.
 
Esse gosto pelo colorido se vê igualmente nas roupas estendidas para secar. Qualquer varal humilde perdido pelo interior parece adereço cenográfico. Isso, aliás, criou um interessante paradoxo para a equipe que faz Amazônia, e que acabou deixando de lado muitas locações importantes, porque pareceriam bonitas demais, limpas demais para serem verdadeiras.
 
O grau de limpeza surpreende, mesmo. Em Rio Branco, cheguei a pensar que as ruas tão bem tratadas fossem apenas o resultado de um esforço ocasional para transmitir uma boa imagem, aproveitando a visibilidade proporcionada pela minissérie; mas em Brasiléia e em Epitaciolandia, onde encontra-se a equipe da Globo, há cuidado igual com os espaços públicos. As cidades não são ricas, em alguns lugares o asfalto está esburacado por causa das chuvas, mas quase não se vê lixo nas ruas ou pichações nas paredes.
 
Confesso que, diante dessa pobreza digna e asseada, me envergonhei pelo estado lastimável em que se encontra o Rio. Como todo carioca, estou cansada de saber que não há turista americano ou europeu que não fique chocado diante de tanta sujeira e falta de manutenção; agora sei, por constatação própria, que, neste quesito, fazemos feio também diante dos acreanos.
 
Percorrer este interior, que o pessoal gosta de definir como "Brasil profundo", sempre me comove. Entra-se em outra dimensão do tempo, num mundo mais simples, menos consumista, mais apegado aos valores da terra.

Vejo as casinhas modestas de madeira, de um ou dois cômodos, limpas e aconchegantes, onde as pessoas vivem com tão pouco, e me assusta o contraste com as cidades grandes, onde cada vez juntamos mais coisas inúteis à nossa volta.
 
É claro que há também o reverso da medalha. Tenho uma tendência natural a buscar o lado bom do que me cerca, mas é impossível ignorar a devastação pela qual passou este estado ao sobrevoá-lo, ou a atravessar quilômetros e quilômetros de pastos e mais pastos.
 
A paisagem é linda e bucólica, com certeza – mas ali, onde pasta o gado, houve, um dia, uma floresta inteira que veio abaixo.
 
Isso corta o coração.
 
Passeando por Rio Branco de bicicleta com Jorge Viana, ex-prefeito e ex-governador, também era impossível ignorar a presença ultradiscreta dos guarda-costas, que não estavam lá como símbolos de um eventual poder, mas como necessidade fundamental de sobrevivência de um homem que teve coragem de desafiar os bandidos que controlavam a região.
 
Quem lê jornal sabe que este é um lugar onde as desavenças continuam a ser resolvidas a bala.
 
O Acre não é um destino turístico como Manaus ou Belém, mas deveria ser. Não tem teatros mirabolantes plantados na selva (quase não tem mais selva, a bem da verdade) mas, entre seus defeitos e qualidades, entre as tragédias do passado e o gigantesco esforço de recuperação da autoestima do presente, reúne uma quantidade única de lições de Brasil.
 
Cheguei há três dias, vou embora logo, mas tenho, desde já, duas certezas: a de que esta foi uma das mais extraordinárias viagens da minha vida, e a de que este é um recanto do meu país que levarei para sempre no coração.

Cora Rónai

Utilizamos este texto belíssimo da Cora Rónai de pretexto para falar sobre pessoas, lugares ou emoções que guardaremos para sempre na memória ou no coração. Curioso para saber o que cada um respondeu? Clique aí e leia os comentários.

UM BEIJO

Dúvidas

Às vezes
eu sinto que ela quer.
Outras vezes
eu acho que não.
 
Ah, como grita
o meu peito...
Cala a boca,
Coração!
 
Ela não pode
desconfiar
que este vai ser
o meu primeiro...

Sufoco de vergonha
e da falta de jeito.
E agora, meu Deus?
O que é que eu faço
com as mãos
 
Às vezes
eu sinto que ela quer.
Outras vezes
eu acho que não.
Beijo ou não beijo...
eis a questão.
 

(Carlos Queiroz Telles )

Após a leitura do poema de Carlos Queiroz Telles, conversamos sobre beijos: de amor, de amizade, de carinho, de mãe, do animal de estimação...
Confira nos comentários abaixo os textos produzidos com o tema "UM BEIJO".